O interesse pelo estudo do comportamento e psicologia dos grupos humanos vem de longa data: já em 1855, Gustave Le Bon publicou a Psicologia das multidões, até hoje um clássico no assunto, injustamente pouco lembrado, em virtude das posições políticas radicais do autor.
Não obstante, Freud, quando escreveu sobre o tema, utilizou o trabalho de Le Bon como ponto de partida, citando-o expressamente. Entretanto, o criador da Psicanálise, embora tenha produzido importantes reflexões sobre o comportamento das hordas primitivas e criação de mitos coletivos, não contribuiu de modo significativo para a psicoterapia grupal propriamente.
No começo do século passado, Joseph Pratt, um médico generalista de Boston, responsável pelo tratamento de um grande número de pacientes tuberculosos (muitos deles indigentes), por motivos econômicos e de ordem prática passou a atendê-los em grupos de 20 ou 30, duas vezes por semana, em que fazia palestras e discutia questões de saúde e respectivas condições de vida.
Observou que a troca de informações entre os pacientes promovia sensíveis melhoras no quadro clínico e situação geral da vida de cada um, demonstrando que o tratamento grupal era extremamente proveitoso.
Por isso, Dr. Pratt, que não era psiquiatra nem psicoterapeuta, é considerado, com razão, precursor da psicoterapia de grupo.
Psiquiatras também começaram a utilizar o procedimento, em geral com pacientes institucionalizados e quase sempre por motivos econômicos.
Durante a II Guerra Mundial, em razão da grande demanda de pacientes e das limitações das equipes hospitalares, o tratamento grupal foi amplamente utilizado, sendo objeto de importantes pesquisas, tendo-se destacado os trabalhos de S. H. Foulkes e Wilfred Bion, que, no Brasil, se tornaram autores de referência obrigatória.
Em seu livro clássico, Experiências em grupos, com sua teoria dos pressupostos básicos (dependência, luta e fuga, acasalamento), Bion desenvolveu modelos interessantes de interpretações dos comportamentos grupais; além disso, com suas contribuições à Psicanálise, tornou-se um dos autores de maior prestígio entre os psicanalistas brasileiros.
Entre os terapeutas de grupo, desde meados do século passado, permeia uma controvérsia importante, com reflexos na prática: deve-se tratar do indivíduo no grupo ou do grupo como uma totalidade?
Na primeira hipótese, apoiada nos trabalhos de Foulkes, as intervenções do terapeuta são, na maioria das vezes, dirigidas a cada indivíduo em particular, visando a esclarecer seus conflitos pessoais; grosseiramente, seria uma espécie de psicoterapia individual dentro de um grupo.
Na segunda proposta, adotada por Bion e seguidores, nenhuma intervenção deve dirigir-se a um paciente em particular; todas as interpretações devem ser única e exclusivamente para o grupo como uma totalidade, assinalando aqueles pressupostos básicos já mencionados. Ou seja, o grupo seria equivalente a um "indivíduo" com personalidade própria e comportamentos diferentes de cada um dos seus membros. O benefício terapêutico de cada paciente seria, então, resultado indireto dessas interpretações da totalidade grupal.
O livro de Irvin Yalon parece ser uma bem-sucedida tentativa de superar esse impasse.
Yalon é professor universitário, psicoterapeuta de grande experiência clínica e, também, autor de romances best-sellers, tais como Quando Nietsche chorou, Mentiras no divã e A cura de Schopenhauer.
Grande talento e erudição do autor justificam seu sucesso, tanto na ficção literária como na obra científica, em que se revela agudo observador e profundo conhecedor da Psicologia. No prefácio à edição brasileira, Dr. Luiz Carlos Osório, também terapeuta de grupo, escreveu:
"Este é o melhor livro sobre terapias grupais que tive em mãos nesses 40 anos como grupoterapeuta!".
O livro, de 528 páginas, consta de 17 capítulos e um pequeno apêndice, e mais de 60 páginas finais são dedicadas às notas e às referências bibliográficas, exaustivamente comentadas ao longo do volume.
O autor considera o foco interacional como o motor da psicoterapia e, acima das teorias e técnicas do terapeuta, suas atitudes, de escuta, interesse, aceitação e empatia com o paciente; enfatiza também a necessidade de desfazer a auto-imagem negativa deste.
Analisa detidamente os fatores terapêuticos, as tarefas do terapeuta, a seleção dos pacientes e a composição dos grupos, as etapas sucessivas do trabalho grupal e grupos de terapia especializados, tais como pacientes agudos internados, enfermos com patologias somáticas, grupos de auto-ajuda e muitos outros.
Além de suas pesquisas pessoais, o autor faz uma revisão de algumas dezenas de estudos controlados que comparam as terapias de grupo e individual, e observa que a terapia de grupo se mostrou mais efetiva em 25% dos estudos e em 75% não houve diferenças significativas entre elas.
Desfaz, portanto, o mito generalizado de que a psicoterapia grupal, por ser mais acessível e barata, seria um tratamento de segunda classe.
Assinala também que psicoterapias com um mesmo enfoque doutrinário, se mal conduzidas, produzem poucos resultados, enquanto outras, com enfoques diferentes, realizadas de modo correto, obtêm resultados satisfatórios e similares.
Caracteriza, assim, a importância da formação do terapeuta e a utilização adequada do método, independentemente da ideologia ou filiação doutrinária.
O texto é pontilhado com exemplos de situações práticas e histórias clínicas, ilustrando muito bem as questões teóricas apresentadas.
Redigido com estilo fluente e elegante, o livro permite uma leitura prazerosa, rica de informações de psicologia e psicopatologia, de interesse não apenas para psicoterapeutas, mas para os psiquiatras em geral.
Tem razão Dr. Luiz Carlos Osório, supervisor e revisor técnico da edição: é o melhor livro sobre terapia grupal nesses 40 anos!
Onde encontrar:
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol34/n5/pdf/254.pdf
http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol34/n5/pdf/254.pdf
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